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SUELY BISPO É A ATRIZ HOMENAGEADA DA 7ª MOSTRA ARAÇÁ

07 OUT

Com uma percurso três décadas nos palcos capixabas, exercendo diversas funções do fazer teatral, com cerca de 15 trabalhos no cinema e participação em importante da teledramaturgia nacional, além de publicações literárias e historiográficas, a baiana Suely Maria Bispo dos Santos é a homenageada da 7ª Mostra de Curtas Araçá. Na trajetória dessa artista radicada no Espírito Santo, é possível perceber seu engajamento político na luta pela valorização da cultura negra e da arte de interpretar. Seu riso generoso e, ao mesmo tempo, fugidio ainda expressa o olhar da jovem que enfrentou a intensa timidez para abraçar a carreira de atriz.

 
A dedicação à vida artística foi algo que aconteceu sem muito planejamento. Durante a sua infância teve uma única experiência com teatro na escola, mas que não foi levada adiante. “Eu era muito tímida e sofri muito com minha timidez. Foi somente por volta dos 20 anos, assim que mudei para Vitória, que me aproximei do teatro no movimento de teatro amador. A primeira pessoa do teatro que conheci aqui foi a Maura Moschem, durante o cursinho pré-vestibular, tivemos uma aproximação rápida, mas só depois soube que ela era do teatro”.
 
Ainda na Bahia, Suely Bispo fizera o vestibular para Comunicação Social, porém não conseguiu ser aprovada. Já residente no Espírito Santo, ingressou na graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo em 1986. A escolha do curso foi motivada, em parte, por um amigo e namorado que era graduado em história, e, em outra, pela leitura do poema Analfabeto Político, do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht.
 
“O irônico é que foi alguém do teatro, o Brecht, que me levou a decidir por fazer a graduação em história. Eu gostava do curso, mas fiquei um pouco decepcionada, não sabia se era aquilo mesmo que queria. Se fosse hoje, teria mudado para o curso de artes cênicas. Mas essa graduação foi muito importante para a minha formação enquanto ser humano e ser político. Depois de formada, dos anos 90 até o início dos anos 2000, cheguei a atuar como professora de escola pública no bairro de Barcelona em Serra. Eu já estava no teatro nessa época e organiza caravanas de alunos para assistirem a espetáculos no Centro Cultural Carmélia Maria de Souza”.
 
Foi durante a universidade que se Suely se aproximou do fazer teatral. “Nessa época, conheci a Verônica, nos tornamos amigas e passei a ir com ela para os ensaios de teatro. Comecei a sentir uma coisa diferente, algo que me atraía para o palco e que dizia que eu não devia estar na sentada na plateia, mas sim atuando lá em cima”. A constante presença nos ensaios, de certa forma, expressava o desejo de Suely por atuar, o que lhe rendeu o convite para integrar o elenco da peça A Gang do Beijo, uma adaptação da obra de José Louzeiro sob a direção de Armando Mecenas.
 
Sua primeira aparição na telona é no curta-metragem Fausto (1995), de César Huapaya. Na verdade, trata-se do registro em vídeo inspirado na consagrada obra de Marlowe e Goethe. O filme foi pensado para fazer parte do espetáculo cênico homônimo do Teatro Experimental Capixaba, ambos contaram com a direção  de César Huapaya, fundador e dessa companhia e diretor com o qual Suely mais atuou no teatro. Esses dois trabalhos, peça e filme, foram os seus primeiros como atriz profissional e seu batismo na profissão. “Foi tão difícil fazer o Fausto, entrar no mangue, gravar no lixão e no abatedouro, tomar banho de sangue. Foi o meu grande teste. Se eu não quisesse realmente ser atriz, teria parado naquele momento. Para abraçar essa carreira, é preciso querer muito e aguentar o tranco, saber que é difícil e, mesmo assim, desejar continuar”.
 
É bem evidente na trajetória de Suely a militância pela valorização da cultura afro-brasileira. No final dos anos 80, participou do Grupo Raça, organização que congregava estudantes e militantes negros na Ufes. Essa temática também perpassa muitos de seus trabalhos no teatro e no cinema, além de estar expressa em sua produção literária e historiográfica. Em 2012, atuou como a primeira coordenadora do Museu Capixaba do Negro - Verônica Pas.  É autora do livro Resistência Negra na Grande Vitória: dos Quilombos ao Movimento Negro obra que foi publicada em 2006 e deverá ter uma segunda edição lançada ainda este ano. “Hoje temos esse conceito de lugar de fala. Sempre exerci isso de onde estou e nos vários lugares que ocupei e ocupo. Seja as artes cênicas, na literatura ou no audiovisual, onde vou levo essas questões”.
 
Há cerca de 10 anos que Suely faz uso do teatro para promover educação em direitos humanos e cidadania em um projeto voltado para estudantes da rede pública de ensino de Vitória. “Gosto muito dessa proposta de um teatro que coloca as questões. Eu interpreto esquetes sobre racismo, homofobia, violência contra a mulher, direito do consumidor e depois provocamos um debate com os alunos”.
 
Durante a vida universitária, Suely também se aproximou dos textos poéticos pela via teatral. No início dos anos 90, integrou o grupo Guardiães da Poesia, proposta teatral que fazia adaptações dramatúrgicas a partir de vários autores. Essa aproximação entre as artes cênicas e a poesia é uma das marcas da trajetória de Suely Bispo. Mas a relação dela com a literatura vai mais além: é de sua autoria os livros de poemas Desnudalmas (2009) e Lágrima Fora do Lugar (2016). Em 2012, ela também concluiu o mestrado em Estudos Literários pela Ufes com uma dissertação sobre a obra do poeta afro-brasileiro Solano Trindade.
 
Em 2016, Suely mostrou sua arte para todo o Brasil em horário nobre na novela Velho Chico, veiculada na TV Globo. Seus últimos trabalhos para o cinema foram Destinos das Sombras, de Klaus Berg, e nos curtas-metragens Os Mais Amados, de Rodrigo de Oliveira, e Abelha Rainha, de Thayla Fernandes. “Na minha cabeça sempre fui uma atriz de teatro, que o teatro é uma coisa mais forte para mim, mas hoje faço mais cinema que teatro e tem a poesia junto ainda. Só me conscientizei desse negócio de cinema mesmo na minha carreira, apesar de já fazer cinema, quando fui homenageada pelo CineCongo Festival Audiovisual da Paraíba no ano passado”.
 
Em 2017, Suely Bispo também esteve engajada na campanha #AtoresCapixabasUnidos, iniciativa capitaneada pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Diversões do Estado do Espírito Santo (Sated/ES) em resposta a desvalorização dos atores locais por parte do mercado publicitário e do poder público. “É preciso mudar essa mentalidade aqui do capixaba, enquanto povo, de achar que tudo que vem de fora é melhor. Estou sempre em aprendizado, mas sei o valor do meu trabalho e quero ter esse reconhecimento. Já cheguei a fazer um teste para um filme, a seleção exigia a interpretação de uma cena em que deveriam ser expressas muitas emoções em um minuto. Eu consegui  fazer uma excelente apresentação. Aí me falaram que fui aprovada, mas que não havia cachê. E era público a produção contava com recursos de editais ou lei de incentivo. Claro, que me neguei a fazer”.


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